terça-feira, 6 de outubro de 2015

NOS Alive '15


Dia 9 de Julho

À nona edição, o festival com assento no Passeio Marítimo de Algés é já um marco no calendário (inter)nacional de festivais. Atente-se, por exemplo, no número de órgãos de comunicação social estrangeiros acreditados para a sua cobertura, vindos desde a vizinha Espanha, passando pela Itália e França, até ao Reino Unido. A juntar à cobertura mediática há que acrescentar, obviamente, os inúmeros festivaleiros (cerca de 15 mil) vindos dos quatro cantos do globo, como tem vindo a ser habitual há uns anos a esta parte. É ponto assente que a indústria festivaleira é um elemento cada vez mais relevante para as economias locais onde decorrem, bem como para o panorama nacional. Durante os três dias de festival, passaram pela zona onde o Tejo encontra o Atlântico, cerca de 150 mil pessoas, segundo os números fornecidos pela organização. Mais do que dados estatísticos, falemos um pouco do que por lá se passou.
A primeira banda que tivemos oportunidade de ouvir, após as formalidades da entrada no recinto, foram os nacionais Light Gun Fire, colectivo que navega pelos terrenos da soul e do funk, devidamente trabalhados e acompanhados por uma excelente trupe de sopros, onde o jogo de vozes do vocalista Luís Ferreira com os coros femininos, funciona muito bem. Os teclados Rhodes juntam-se também à festa, conferindo um groove bem quente, que serve na perfeição para um início de festival que se avizinha escaldante.
Uns metros mais à frente e encontramos um Palco Clubbing praticamente despido de público, no qual evolui o dj-set de Eclair Fifi, baseado num house sem muita alma e que passa algo despercebido aos poucos ali presentes.
Mudamos de poiso (atitude recorrente durante todo o festival, já que os vários palcos assim o ditavam) para assistir à estreia nacional dos escoceses Young Fathers. E que estreia! O trio formado por Alloysious Massaquoi, Kayus Bankhole e ‘G’ Hastings deram o melhor concerto do primeiro dia de Alive e um dos melhores de todo o festival. Ao hip-hop mais alternativo aliaram um sentido rock (facção Bloc Party) às suas canções, com uma noção de palco absolutamente ímpar. Não é por acaso que foram os vencedores do Mercury Prize em 2014 no Reino Unido, com o seu disco de estreia «Dead», editado pela conceituada Anticon. Um tema não faz um disco nem uma actuação (ou será que faz?), mas ouvir “Get Up” é um verdadeiro portento que perpassa o nosso corpo, dá a volta e parece não querer largar-nos o resto do tempo. Dizer que os Young Fathers merecem um regresso rápido e um palco e horário mais condizentes com a sua qualidade (imensa) é mais do que pura retórica: é uma obrigação!
Entretanto, tempo para “picar” uns minutos no Palco Coreto, onde o sempre simpático DJ Zé Pedro desfiava alguns dos melhores clássicos do rock, deste e de outro tempo, sempre com a triagem do bom gosto que o caracteriza.
Primeira investida no Palco NOS para ver e ouvir o inglês James Bay, vencedor de um Brit Award (prémio da crítica) no corrente ano. Os poucos minutos concedidos ao autor de “Hold Back The River” (o seu maior sucesso até à data) não foram suficientes para confirmar a razão (ou falta dela) do público britânico, mas a pop-folk sem sal apresentada num final de tarde (quase ao pôr-do-sol) não acrescentou rigorosamente nada ao público (excepção feita às teenagers que ocupavam as grades lá à frente) que já começava a preencher bem o recinto, ou não estivesse este primeiro dia de festival esgotado há já algum tempo (por conta de outros britânicos, os Muse, que tocariam mais tarde nesse palco).
Enquanto isto, no Clubbing actuava Benji B (Benjamin Benstead), dj, radialista da BBC Radio 1 e curador das noites do clube londrino Deviation, num set muito electro-dub e algum soulful.
Em quase todos os festivais ocorrem imprevistos de vária ordem, e na edição deste ano do Alive o cancelamento de última hora coube à britânica Jessie Ware (“por motivos logísticos”, justificou a promotora), substituída prontamente pelo quinteto lisboeta Capitão Fausto (que já havia tocado ali há dois anos), tendo apresentado o seu rock em português de boa colheita, com o psicadelismo cada vez mais omnipresente. “Maneiras Más” continua a ser o tema mais orelhudo, mas o evoluir da sua sonoridade para terrenos mais exploratórios confere à banda de Tomás Wallenstein uma margem de progressão a ouvir com atenção.
À hora de jantar, as atenções foram repartidas entre os britânicos Metronomy e o norte-americano Ben Harper. Em relação aos primeiros, ainda não foi desta que (me) convenceram de forma cabal ao vivo (eles que têm alguns dos temas mais frescos de electropop para estes eventos, como “The Look” e “Love Letters”); convenhamos que não foi um mau concerto, apenas não saíram da mediania (com alguma monotonia rítmica que se instalou por períodos largos), e isso, para a banda de Joseph Mount, é manifestamente pouco.
Enquanto se guarnecia o estômago, lá ao fundo, no palco principal, ouvia-se Ben Harper & The Innocent Criminals, que desfilaram um compêndio de temas assentes na sonoridade de blues-soul-rock, percorrendo alguns dos marcos sonoros da sua carreira, já com mais de vinte anos na estrada. No entanto, das inúmeras vindas do californiano a terras nacionais, esta talvez tenha sido das menos conseguidas em termos de feedback do público, habitualmente muito fiel e devoto da música de Harper. Foi apenas com temas como “Steal My Kisses From You” e “With My Own Two Hands” que algum do público despertou da modorra sonora que se foi instalando ao longo da actuação. Já vimos o senhor fazer melhor por cá, sem sombra de dúvida.
Salto rápido para ver o holandês Breach e ouvir um pouco do seu set de tech-house, no Palco Clubbing, antes de regressarmos ao Palco NOS para assistir atentamente à prestação dos Alt-J, de regresso ao festival onde haviam tocado há dois anos. Agora promovidos ao palco principal (aspecto que nem sempre é uma mais-valia para as bandas, o que não aconteceu neste caso), o grupo de Joe Newman, Gus Unger-Hamilton e Thom Green, deu um concerto bem agradável, cheio de profissionalismo, onde não faltaram os (sinceros, acreditamos nós) elogios ao festival e ao público que os aplaudia a cada canção. As canções, essas, percorreram a sua discografia de apenas dois discos, «An Awesome Wave» (magnífica estreia em 2012 que lhes valeria nesse ano o Mercury Prize) e o mais recente «This Is All Yours» (de 2014). O ambiente sonoro criado com temas do calibre de “Breezeblocks” e “Matilda”, fazem o público entrar numa espécie de viagem pelo espectro da electrónica com laivos indie e folk ao mesmo tempo, aliado a um jogo de luzes de belo efeito. A sua contemporaneidade estética é bem recebida e estamos em crer que voltarão em breve para uma celebração ainda maior, em nome próprio.
Mais um nome de regresso ao Alive, desta feita do dj e produtor canadiano Tiga James Sontag, mais conhecido apenas por Tiga, agora para um live-act. Como nas vindas anteriores, Tiga não deixou os seus créditos (já bem firmados) por mãos alheias, e começou a actuação logo com o seu mais recente single “Bugatti”, acolhido de forma calorosa pela plateia presente na tenda/palco bem preenchida. A partir daí, o desfilar de clássicos do fundador e patrão da Turbo Recordings foi um deleite para os ouvidos e pernas dos festivaleiros, com o seu electro house a cativar novos fãs que, qual heresia, ainda não conheciam o autor de “You Gonna Want Me” e “Pleasure Fom The Bass”.
Um dos nomes mais recentes do panorama electrónico português, Cavaliers Of Fun (COF), foi uma agradável confirmação ao vivo do talento já demonstrado em disco (através de um single e um EP, “Valley Of Dreams” e “Camp COF”, respectivamente). A sonoridade assumidamente retro-futurista (ou se preferirem, de forma mais simplista apenas, synth-pop) teve uma plateia algo despida, devido à concorrência dos Alt-J e Tiga, mas mesmo assim, o projecto do ex-Loto, Ricardo Coelho, fez pela vida e prometeu (e cumpriu) fazer dançar (e “regressar ao futuro”) as dezenas de pessoas presentes no Palco Heineken, com a matriz dos anos 80 bem patente ao longo da enérgica actuação, que contou com o exímio guitarrista Miguel Nicolau (Memória de Peixe) a conferir ainda mais corpo às canções descomprometidas dos COF.
Tempo de subirem ao palco os responsáveis pelo primeiro dia esgotado na edição deste ano do Alive, os britânicos Muse pisam, pontualmente (tal como sucedeu em quase todos os concertos do festival), o Palco NOS, passam dez minutos da meia-noite e o público explode em euforia ao som de “Psycho”, tema incluído no mais recente álbum editado este ano, «Drones». O trio inglês liderado por Matt Bellamy atingiu já um estatuto que lhe permite lidar com o público a seu bel-prazer, percorrendo as mais de duas décadas que levam já de existência, através de uma discografia com sete álbuns de estúdio. Durante a sua prestação, houve direito a balões gigantes, “confettis”, guitarras destruídas contra amplificadores, tudo isto servido de forma planeada. Antes de um dos seus maiores clássicos, “Time Is Running Out”, recuperado a «Absolution», de 2013, direito a uma “intro” de guitarra “Led Zeppeliana” bem esgalhada. Apesar da manifesta competência musical demonstrada, os Muse estão já num patamar em que a margem de evolução acaba por ser mais para os lados do que para a frente, destacando-se mais as características barrocas e algo pomposas nos arranjos musicais (desde logo na guitarra de Bellamy), que acabam por conferir um tom demasiado épico ao resultado final. Visualmente, também já se apresentaram com melhores artefactos. Para o encore, mesmo a terminar, após uma hora e meia de desfile de temas, ouvimos ainda “Knight Of Cydonia”, do sempre recomendável “Black Holes And Celebrations”. É óbvio que, para os indefectíveis este terá sido, muito provavelmente, o concerto do dia (e do festival), mas por aqui, já demos a entender que esse trofeu ficaria entregue a outros (Young Fathers nesse dia e, mais à frente, aos Mogwai, nos três dias de festival).
De volta ao Clubbing para assistirmos ao regresso aos palcos, três anos depois da última actuação, dos portuenses X-Wife de João Vieira (aka DJ Kitten e o senhor por detrás dos White Haus), Rui Maia (Mirror People) e Fernando Sousa. Em grande forma, revisitaram o seu catálogo constituído por cinco discos até à data, acrescentando-se ainda o mais recente single de avanço do próximo álbum, “Movin’ Up”. Rock de matizes electrónicas é aquilo que os X-Wife sabem fazer e de forma muito competente. Com este pequeno hiato nas suas actuações, poderia recear-se alguma falta de entrosamento entre os membros da banda (que têm vindo a explorar e a colaborar com outros projectos), mas os novos arranjos que algumas músicas sofreram (exemplo perfeito disso, a excelente “Fireworks”, retirada de «Are You Ready For The Blackout?»), conferem agora um ar renovado e fresco a temas que são já incontornáveis nos seus alinhamentos. Destaque ainda para a versão (algo inaudita, diga-se) de “Block Rockin’ Beats”, tema maior da electrónica big-beat dos The Chemical Brothers, a demonstrar toda a versatilidade que a banda tem.
Ao mesmo tempo, na tenda/palco ao lado, evoluíam os britânicos Django Django, também eles de regresso ao mesmo sítio onde tocaram há dois anos, e tão bons resultados haviam granjeado. Desta feita, com novo disco debaixo das guitarras para apresentarem («Born Under Saturn», editado há apenas dois meses), os Django Django souberam tirar partido dos seus temas mais fortes, com “Default” (do primeiro registo homónimo da banda, «Django Django», editado em 2012) logo à cabeça, conseguindo resgatar muitos dos resistentes após a actuação dos Muse.
No Palco Coreto, para fechar o alinhamento de bandas do primeiro dia que ali tocaram, os leirienses Nice Weather For Ducks deram mais um óptimo concerto, como é seu apanágio, com o alinhamento a percorrer os temas indie/pop de «Quack!» (disco de estreia), onde se assistiu a «uma amálgama de sons e de ritmos e vozes vibrantes». Um palco que começou quase só para “encher”, revela-se agora como uma boa aposta alternativa, essencialmente com bandas nacionais, à massificação dos palcos principais do festival.
Para finalizar a primeira noite de Alive ’15, tempo ainda para passar no live-act do australiano Harley Streten, mais conhecido nos meandros musicais por Flume, e no dj-set de Julio Bashmore (nome de baptismo: Matthew Stephen Walker), alternativas dançáveis (mais ou menos house) nos palcos Heineken e Clubbing, respectivamente.


Dia 10 de Julho

Ao segundo dia de festival, uma das prestações mais desinteressantes que passaram pelo Passeio Marítimo de Algés foi protagonizada pelos australianos (é da praxe ter sempre bandas dos antípodas) Sheppard, praticantes de um indie-pop sem sal nem alma para temperar o ambiente do palco principal.
Por isso, foi com naturalidade que o concerto da rapper portuense Capicua arrastou uma mole humana impressionante, que transbordava por todos os sítios no Palco Clubbing, que mostrou ser pequeno demais para a dimensão (enorme!) das rimas de Ana Matos Fernandes, sempre bem acompanhada por Marta Bateira, verdadeiro contraponto às letras directas que ambas debitam harmoniosamente. As batidas são lançadas atrás dos pratos (por D-One) e de um teclado com uma cadência e ritmo perfeitos e absolutamente viciantes. O público, surpreendentemente heterogéneo q.b., ficou completamente rendido com aquela que pode ser considerada a melhor música de intervenção da actualidade em Portugal. Esta foi uma actuação a fazer lembrar a primeira vez que os Buraka Som Sistema ali tocaram no mesmo palco, há já alguns anos, prevendo-se, da mesma forma, uma rápida subida de divisão de Capicua (entenda-se, de palco). Com uma tela de fundo a ser ilustrada em directo durante toda a prestação, as canções de Capicua tiveram um colorido extra. Temas como “Medusa”, que serviu de apresentação do último disco, teve como convidado especial em palco outro grande nome da cena rap e hip-hop nacional, Valete; “Casa No Campo”, versa a propósito de filhos e reforma (Capicua, confessou Valete, pensa ser mãe em breve e “abandonar” a música -exagero, segundo a própria-). “A liberdade conquista-se todos os dias”, foi o manifesto panfletário que serviu de introdução ao tema “Pedras Da Calçada“ sobre os tempos modernos, de crise actual, cuja letra, acutilante, coloca os nomes aos bois, sem contemplações. “Vayorken” (com introdução dos beats “pilhados” a Grandmaster Flash) foi o (quase) final esperado, em apoteose generalizada, que seria completada com a última descarga de ritmo urbano a ficar a cargo de “Barulho”, verdadeiro epílogo de um concerto mais do que triunfal! Quando é (foi) o próximo?
No palco mais pequeno, como aqui já demos conta, apresentaram-se alguns dos nomes mais interessantes do actual panorama musical português; Los Waves foram mais um belo exemplo que por lá tocaram no segundo dia de Alive. Rock, mais ou menos musculado (muito devido a um dos melhores bateristas vistos nos últimos tempos, Marco Jung -o homem é mais do que um metrónomo, é um verdadeiro portento atrás do bombo, tarola e pratos-), com laivos de psicadelismo doseados adequadamente, foram os ingredientes de uma prestação que teve tanto de competente/profissional como de festiva, com o público que enchia o recinto à frente do coreto a colaborar muito positivamente a cada tema oriundo da banda. A “música do verão 2014”, pelos vistos, mantém-se em 2015: “Strange Kind Of Love” tem tudo o que é necessário para uma road trip veraneante, sem destino definido, ao sabor do vento, rumo a um final qualquer, com garantia de alta diversão.
Passagem pelo Palco Heineken para ver, finalmente, o duo britânico de Katie White e Jules De Martino (que se apresentou ao vivo em formato trio), The Ting Tings. As músicas do álbum que os deu a conhecer, «We Started Nothing» (de 2008) foram apresentadas, entrecortadas com as do registo mais recente, «Super Critical» (de 2014). A vocalista dividia-se também pela guitarra, tal como o baterista, que alternava o instrumento de percussão com a outra guitarra; ao seu lado, o senhor das programações acrescentava o resto dos sons necessários para o resultado final se aproximar de um misto de indie-pop-electro. Pode soar pertinente e actual em 2015, um tema marcante na carreira de uma banda lançado em 2008? “That’s Not My Name” é a prova disso. Já sem o fulgor de então, mas com pergaminhos ainda suficientes para marcar um concerto e deixar a sua assinatura. Curiosamente, logo a seguir ao seu grande hit, assistiu-se a uma estranha sessão em regime dj-set, articulada com os instrumentos de percussão, com batidas electro-techno algo desfasadas do resto do concerto. No entanto, o final da actuação não deixou de ser festivo!
A anteceder os compatriotas The Prodigy no Palco NOS, tivemos os ingleses Mumford & Sons (de regresso ao Alive, após a vinda em 2012), cujo principal sucesso radiofónico (e por conseguinte, de vendas do disco «Babel», editado em 2012), “I Will Wait”, foi logo apresentado na fase inicial do concerto, dando o mote para o resto da sua actuação: canções pop redondas, alicerçadas em bases folk de contornos algo épicos, com refrões cantaroláveis e “doces” para o ouvido. Isto não foi necessariamente mau… antes pelo contrário.
De volta ao Palco Coreto, para ver os Tape Junk. Apresentados como uma das grandes promessas da música nacional pela conceituada revista francesa “Les Inrockuptibles”, praticantes de uma folk-rock contemplativa, o que os lisboetas mostraram na segunda noite de festival foi um concerto bem ritmado, mais musculado sonoramente (com mais rock do que folk), ou não tivessem como convidado o senhor Frankie Chavez, um dos guitarristas com um cunho blues mais proeminentes da nossa praça. Vestidos a rigor com batas de médico, a receita foi à base das canções de «The Good And The Mean», editado em 2013 (que pode ser escutado e “sacado” gratuitamente no sítio da Optimus Discos), tocadas quase sem respirar. O final foi em modo “long version” e algo experimental, funcionando como o ponto alto de uma actuação bem interessante.
De regresso a Portugal para mais uma actuação avassaladora, a banda de Samuel T. Herring (que não queria «falar muito, apenas rockar»), Future Islands, deram o melhor concerto do segundo dia de Alive, e um dos melhores desta edição, como era expectável. “A Dream Of You And Me” deu o mote a uma actuação que teve tanto de eficaz, como de competente. À segunda canção, “Walking Through That Door”, celebrou-se o sol que aqueceu (e bem) os três dias de festival. Samuel T. Herring é, há que dizê-lo com todas as letras, um dos melhores vocalistas da actualidade (o seu registo vocal é absolutamente irrepreensível), com um sentido de palco único, revelando saber controlar o público como bem lhe apetece (e que esteve à altura da banda, justiça lhe seja feita também). Este foi um daqueles concertos que decorreu sempre em crescendo, aproveitando também a “ausência” de bandas no palco principal, contando apenas com a concorrência do projecto de fusão do luso-angolano Pedro Coquenão, Batida, no Palco Clubbing. O quarteto de Baltimore revelou um entrosamento notável, com cada elemento a ter a noção perfeita do seu papel (e instrumento) na banda. Exemplo adequado onde o colectivo funciona na perfeição! A alegria que emanava do palco para o público era devolvida com sorrisos verdadeiros e esfuziantes. Gente bonita a apreciar música bonita! “The Chase” (delícia perfeita de synth-pop) foi, um dos temas novos apresentados e que recebeu um caloroso aplauso. A alteração de timbre vocal (por vezes, dentro da mesma canção) é absolutamente incrível, funcionando como uma mais-valia que Herring e restantes companheiros sabem utilizar na perfeição. Um vocalista e uma banda que dão tudo o que têm em palco, claramente! O auge viria com os primeiros acordes reconhecíveis de um dos temas mais deliciosos do ano transacto, “Seasons (Waiting On You)”, canção maior de um disco («Singles») que tirou a banda de um certo anonimato musical. E em boa hora isso ocorreu. Nada menos do que brilhante(s)!
Ver The Prodigy em 2015 soa tão datado a 1996/97, que os quase vinte anos que medeiam a edição do mítico «The Fat Of The Land» até à actualidade, fazem mesmo toda a diferença. Mais rock/punk (principalmente na atitude de Keith Flint) e menos electrónica (principalmente na base da música, criada por Liam Howlett), não é necessariamente uma coisa boa para quem acompanhou o crescimento e o cimentar no topo da pirâmide da cena rave britânica e europeia, de uma das bandas que, quer se queira ou não, marcou a música electrónica nos finais do século XX, com hinos do calibre de “Breathe” (tema que abriu as hostilidades), de “Voodoo People” (do excelente «Music For The Jilted Generation»), até ao incontornável “Smack My Bitch Up”, que encerraria uma actuação eficaz (mas não mais do que isso), antes do obrigatório encore.
Enquanto Keith Flint e Maxim procuravam, com alguma histeria, o “povo Prodigy” no palco principal, no Palco Heineken evoluía o britânico James Blake, mais um repetente no festival (e, mais uma vez também, a tocar à mesma hora dos cabeças de cartaz do dia). Mas desta vez, o público que enchia por completo o tapete verde à frente do palco respondeu efusivamente a cada canção entoada pela voz melancólica e delicodoce de Blake, que fez por adaptar o seu registo ao ambiente de festival (com batidas ligeiramente mais aceleradas e um som mais cheio). O final foi de uma beleza sonora irrepreensível, com “Retrograde” e “The Wilhelm Scream”. Melhor, era impossível pedir! Ficou a promessa de um regresso para breve (e já vem tarde um concerto em nome próprio, numa sala a condizer).
(E agora, pausa para um apontamento mais ou menos sério -riscar o que não interessa- sobre o Palco Coreto, com DJ Fernando Alvim, sinónimo de festa e loucura garantidas: de Whitney Houston aos The Rolling Stones, via The Black Keys acompanhados de Kings Of Leon e Nirvana, vai um passo. As inglesas que animavam alegremente o palco confirmam tudo isto.)
Quase na recta final do segundo dia, houve tempo ainda para ver e ouvir um pouco do dj-set de Magazino, o fundador e patrão da editora Bloop Recordings, em mais uma actuação à sua medida, bem pump e dançável, que encerrou em bom ritmo o Palco Clubbing.
Para fechar o Palco Heineken, mais um regresso a Portugal (e ao Alive) de miss Róisín Murphy, a ex-vocalista dos Moloko (uma das bandas mais subestimadas na electrónica algo experimental dos anos 90). Com uma pose e visual irrepreensíveis, faltou, talvez, algum substrato mais denso à sua música, assente em toadas algo funk e art-pop (bem patentes no seu último registo «Hairless Toys»), com a electrónica obrigatória a servir de fundo. Em suma, muito deslumbre visual, mas não tanto musical. Final do segundo dia em modo algo tranquilo (mais do que o habitual).


Dia 11 de Julho

Último dia de Alive, com o cansaço a fazer-se sentir nas pernas, mas ainda com muito para ver e ouvir. Começamos no Palco Clubbing para assistir ao dj-set do francês Feadz (o segundo artista a actuar, depois de John Ascia), um dos nomes da bem conhecida Ed Banger, editora de proa da cena electrónica francesa, que tantos nomes tem dado a conhecer. As batidas sincopadas resultantes da mistura de hip-hop com algum french-touch, deram aos presentes direito a dançarem por territórios da chamada electrónica global.
Passagem rápida pelo Palco NOS, numa altura em que actuava o colectivo lisboeta HMB, praticante de uma soul e r&b festivas q.b. Aspecto a destacar relativo ao jogo de vozes (ora sobrepostas, ora alternadas), na senda de uns Expensive Soul (mas menos irritantes), mas que não acrescentam nada de novo ao género.
Mas era no Palco Heineken que as atenções se iriam concentrar neste último dia, com um alinhamento a tornar difícil a tarefa de sair de lá. Às 18h30, com pontualidade britânica, subia ao palco uma das duplas que se estreavam por estes lados, os ingleses (daqueles que não enganam, nem à distância) Sleaford Mods, praticantes, segundo os próprios, de uma sonoridade punk, à qual acrescentaríamos o hip-hop mais cru, indo beber, ainda, claras influências ao rock (via The Fall) em doses apreciáveis e à cultura rave reinante nas ilhas britânicas nos finais da década de 90. Falar de nomes como El-P e The Streets também não será totalmente descabido neste particular de nomes na mesma família genealógica, mas a dupla de Jason Williamson e de Andrew Fearn tem uma marca identitária muito própria, que lhes confere uma personalidade autêntica. Vocalmente, o timbre remete-nos imediatamente para os tempos dos PIL de John Lydon (ex-Sex Pistols -lá está, de novo o punk a vir ao de cima-), o que nos faz lembrar os tempos de glória do DIY (“Do It Yourself”) e da riot-music (bem patente no cariz intervencionista das letras); relembremos ainda que o primeiro nome do duo, anterior a Sleaford Mods, foi That’s Shit, Try Harder (mais palavras para quê?). Aqui, tudo é feito à base de um laptop (que se espera que nunca falhe, controlado meio à distância, com o olhar, pelo “boss” Andrew Fearn, misto de pose “cool” com rebeldia -no final ainda ficou mais uns minutos em palco a pedir erva ao público-), lançando batidas secas mas altamente viciantes, ficando o resto para o debitar das rimas (que parecem nunca mais acabar) do vocalista Jason Williamson. Tivessem eles tocado no dia anterior (ou os The Prodigy neste dia) e poderíamos, provavelmente ter assistido à colaboração dos dois projectos, no tema “Ibiza” (tema fresquinho, editado no passado mês de Abril). No meio do público, dividido entre os que estão sentados, algo indiferentes ao que se passa no palco, e os que ouvem atentamente a estreia do duo, encontramos Samuel Úria, que parece gostar bastante dos britânicos com pinta de rufias (e nós concordámos com ele). Num dia em que este palco tem, claramente (já o sublinhámos), o melhor alinhamento, os Sleaford Mods mereciam melhor hora para demonstrarem toda a sua qualidade em palco, com músicas do calibre de “Tied Up In Nots”, do mui recomendável álbum «Divide And Exit». Mas isto, é um problema transversal a muitos concertos que houve durante o festival (e que existe na maioria dos grandes festivais, com vários palcos a funcionarem ao mesmo tempo).
Mudança de poiso, com passagem no back-to-back entre Alex Metric e Aeroplane. Ambiente a fazer lembrar mais as festas de praia (ou os tão omnipresentes sunsets), o mano-a-mano entre o inglês e o belga foi um agradável desfilar da electrónica mais solarenga (via electro-house e algum progressive), a condizer com o tempo que se fazia sentir (apesar de algum vento incomodativo).
A nostalgia tem destas coisas, mas quem é que se lembra dos norte-americanos Counting Crows (recordam-se de “Mr. Jones”, corria o ano de 1993?) para actuarem num festival em 2015, em pleno palco principal? Pelos vistos, a não ser que venha aí mais um revival, desta feita dos anos 90, não havia muita necessidade disso. E como o alinhamento que se avizinhava obrigava a jantar cedo, foi durante a actuação da banda californiana de Adam Duritz, que tocou quase ao mesmo tempo dos nacionais Dead Combo (pena por perder este concerto), que se recarregaram algumas energias.
Na tenda/palco onde se celebravam os 15 anos da agência Decked Out (que representa alguns dos nomes mais sonantes da electrónica mundial), ouvia-se o dj-set do inglês Riton, com batidas bem aceleradas (ainda com alguns resquícios da fase áurea do electroclash), abrindo caminho para os nomes que se lhe seguiriam, culminando no final da noite com as actuações de Erol Alkan e de Miss Kittin.
No Palco Coreto, entretanto, começava a tocar o trio das Caldas da rainha Cave Story, um dos diamantes ainda por lapidar da música nacional, a representarem o que de melhor se faz por estes dias no rock’n’roll. A cada concerto que dão estão cada vez mais entrosados (destaque particular para o som do baixo, absolutamente único). Parcos em palavras com o público, as suas músicas falam (e valem) por si. A título de exemplo (mas podíamos citar todo o alinhamento, praticamente), “Southern Hype”, um dos temas que mais tem rodado nas rádios de bom gosto, é um portento sonoro ao vivo, com uma progressão rítmica que não apetece que acabe nunca. Um verdadeiro hino ao rock!
E eis que chega a hora de assistirmos aos vencedores desta edição 2015 do Alive. São escoceses e chamam-se Mogwai. Que abuso de concerto (em todos os sentidos), e ainda só tinham tocado duas músicas! Tal como os compatriotas Young Fathers (e ainda faltava ver The Jesus And Mary Chain), foi da Escócia que chegaram as bandas mais interessantes que se ouviram durante os três dias de festival. Com as guitarras em progressão, sobrepostas em camadas que parecem não ter fim, a fórmula post-rock dos Mogwai é absolutamente irrepreensível. Num alinhamento com apenas dez temas (ou não fosse a extensão uma imagem de marca deste género), destaque particular para “Mogwai Fear Satan”, viagem de mais de doze minutos onde se assiste ao poder das guitarras (e inúmeros pedais de distorção) em toda a sua plenitude, com um crescendo épico do tamanho do mundo. O som, esse, alto e preenchido como manda a cartilha (nota mental para concertos deste calibre: protectores auriculares, se quiserem andar por cá a ouvir estes senhores durante mais algum tempo).
Mal terminaram os mestres escoceses do post-rock, salto ali ao lado para espreitar uns minutos da também escocesa (agora radicada por cá), Tracy Vandal, em apresentação das suas músicas marcadamente negras (do EP “The End Of Everything”), compostas na intimidade do quarto, aqui transpostas para palco na companhia de dois músicos (Pedro Mangerona e Miguel Teixeira) nos teclados e programações. A reacção do público revelou-se positiva e a festa continuou por lá.
Antes de ir ver como soava o seminal «Psychocandy», álbum maior numa carreira com mais de trinta anos, tempo para espreitar o techno, algo agressivo para a hora de jantar, do francês Djedjotronic no Palco Clubbing. Altura, então, para mais um concerto conceptual, moda que tem vindo a pegar nos festivais, um pouco por todo o lado, há uns tempos a esta parte. Desta feita, o mote que serviu para mais uma actuação em solo luso dos escoceses The Jesus And Mary Chain foi o seu disco de estreia «Psychocandy», datado já do longínquo ano de 1985 (há mais anos, portanto, do que a idade de muitos dos festivaleiros presentes, apesar de hoje se notar a presença de muitos indefectíveis da banda). Poucos grupos se podem orgulhar de ter criado um som e atitude tão característicos e marcantes para a história da música como a banda dos irmãos Reid. Parcos em palavras (são míticos os concertos de costas voltadas para o público, em que conseguir imagens da banda era uma tarefa hercúlea para os fotógrafos), o que impera é uma quase escuridão em palco e muita distorção, que parecem não querer deixar apreciar devidamente o concerto, mas é precisamente isso que faz parte da sua imagem de marca. Já não chegámos a tempo de ouvir o início com a maravilha sonora que é “Just Like Honey” (afinal, fez parte da nossa aprendizagem musical, feita através de trocas de k7s gravadas e partilhadas religiosamente em tempos idos), mas “Some Candy Talking” (já no encore, após a estrondosa “Head On”, e antes do final com “Reverence”, três extras ao álbum apresentado) soa como um rebuçado para os nossos ouvidos. Para quem os (ou)viu em 2007 num outro festival lisboeta (Super Bock Super Rock), parece que desta vez se apresentaram em melhor forma; não estivemos lá, mas podemos assegurar que, a continuarem assim, os The Jesus And Mary Chain podem continuar a vir cá apresentar o resto da sua discografia (constituída por seis excelentes registos de estúdio) que, decerto, ninguém se importará, bem pelo contrário.
Depois da descarga eléctrica provocada pelos The Jesus And Mary Chain no Palco Heineken, romagem ao palco principal, com paragem obrigatória no Clubbing para ver como funcionava ao vivo a nova versão do espectáculo do francês Étienne de Crécy (figura maior do french-touch, que emergiu no final dos anos 90), Super Discount 3. De regresso para mais uma apresentação nacional, mas desta feita sem os cubos que ornamentavam anteriormente o palco, conferindo-lhe um efeito estético que era uma mais-valia no resultado final da actuação; assim, a sonoridade ficou a perder, apesar de ser sempre agradável para uns momentos de dança.
Chegados ao Palco NOS, para assistir a mais um regresso (já perdemos a conta dos nomes repetentes) ao Alive, apenas uns dias após ter esgotado a sala do Coliseu de Lisboa, do australiano Nicholas James Murphy, que substituiu o francês Stromae (por motivos de saúde). Com uma plateia bem preenchida, Chet Faker, partiu para mais uma actuação muito conseguida, baseada no seu único registo até à data, o recente «Built On Glass» (lançado no passado mês de Abril). Destaque obrigatório para o final, belíssimo, com o australiano ao piano a cantar “Talk Is Cheap”, descarnado de quaisquer outros ornamentos, irradiando toda a sua alma. Mais um concerto para guardar na memória (quer do artista, quer do imenso público que pôde assistir).
O último nome que presenciámos no Palco Clubbing foi o da norte-americana Louisahhh!!!, em estreia absoluta por cá, que trouxe boa electrónica, debitada ao ritmo certo (nem muito techno demasiado acelerado, nem muito house de ouvir na praia), fazendo lembrar, por vezes, a russa Nina Kraviz (quer nos trejeitos corporais, quer na selecção musical), que tão boas memórias deixou aquando da sua passagem pelo mesmo palco o ano passado.
A fechar o Palco Coreto em termos de actuações de bandas, tivemos o músico norte-americano Raury (também pela primeira vez em Portugal), senhor que tem na soul misturada com algum funk e hip-hop, a sua imagem sonora identitária.
Mais um regresso a Portugal, após uma passagem em 2013 no Super Bock Super Rock, desta feita para pisar o Palco Heineken no Alive, da também norte-americana Azealia Banks, rapper que cresceu a ouvir algum do melhor hip-hop no bairro nova-iorquino de Harlem. Acompanhada nos pratos e programações por DJ Cosmo e por dois bailarinos (a tempo parcial), Azealia entrou com tudo na sua prestação, com “Gimme A Chance” a servir de grito de presença. Com um alinhamento baseado no seu EP “1991” e no LP de estreia «Broke With Expensive Taste», o decorrer do concerto foi-se tornando cada vez mais monótono (há que relembrar e fazer a comparação com o enorme espectáculo que Capicua havia dado no dia anterior), fazendo o público esmorecer, tendo acordado apenas com os primeiros acordes de “212”, verdadeiro ponto alto (único?) num concerto do qual se esperava mais. A seguir, debandada quase total em direcção a Disclosure.
Em contramão (já que a mole humana era imensa em direcção ao palco principal para ver Disclosure), a opção sensata pareceu ser assistir à prestação atrás dos pratos do DJ Pedro Ramos, o senhor que dá voz na Radar, num set que começou quase sem público, mas que merecia mais, inquestionavelmente, pela qualidade sonora da selecção efectuada (uma vez mais, a hora de actuação a fazer a diferença no resultado final…).
Já com muito menos público em trânsito, a caminho da última actuação e da zona de imprensa, ouvimos ainda o duo australiano Flight Facilities, autores dessa beleza que é “Clair De Lune” (não sabemos se fez parte do alinhamento, mas apostamos bem que sim), hino instantâneo dentro do firmamento indie pop.
Antes de chegar ao Palco NOS, no Clubbing tocava o britânico Erol Alkan que, longe do fulgor estético e sonoro de outros tempos, em que ajudou a cimentar o sub-género da música electrónica ligado ao electroclash (foi ele o mentor das noites “Trash”, no clube londrino com o mesmo nome), regressou a Portugal para uma prestação algo monótona, com o público, também ele, a não puxar muito pelo artista.
Antes do final, mesmo, e de regresso, também eles, ao local onde encheram outro palco há dois anos (mais uma banda a subir de “divisão”), os britânicos Disclosure, dos irmãos Howard e Guy Lawrence, fecharam a edição 2015 do Alive com o seu uk-garage (ou “house com alma”, como alguns lhe chamam). Não ficámos até ao final, mas estamos em crer que foi dos desfechos mais fracos das últimas edições do festival.
Para o ano há mais: marquem nas agendas festivaleiras as datas de 7, 8 e 9 de Julho, de novo no Passeio Marítimo de Algés.

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