quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Scott Matthew + Valter Lobo @ Misty Fest (Coimbra) (15-11-13)

Faltam(-me) palavras para descrever a experiência que é ouvir e sentir uma das melhores vozes que o mundo musical deu a conhecer nos últimos tempos (a do australiano Scott Matthew). Se em disco a sensação é já de estarmos perante uma espécie de banda-sonora perfeita para o paraíso, ao vivo ela torna-se realidade. E foi isso que, na passada sexta-feira, Coimbra teve a oportunidade de assistir: seguramente, a um dos mais belos e intimistas concertos que por cá passaram. Inserida no Misty Fest, festival que tem vindo a granjear um estatuto cada vez mais sólido, assente numa programação coerente e de qualidade reconhecida e que este ano decidiu alargar as suas datas à lusa Atenas, a actuação do músico australiano (a residir agora em Nova Iorque) irá ficar indelevelmente na memória de todos os que preenchiam o excelente espaço do Conservatório de Música de Coimbra. Acompanhado por dois músicos (Juergen Stark na guitarra e o teclista e pianista M Eugene Lemcio, que teve direito a uma inesperada ovação de parabéns pelo seu aniversário), Scott Matthew, ao contrário do que a sua música mais introspectiva poderia indicar, é um comunicador nato, mantendo uma interacção com o público durante todo o concerto, discorrendo introduções antes de cada tema, afinando de forma descontraída a sua guitarra ou ukulele, partilhando pormenores pessoais e artísticos que mostram, sem qualquer tipo de receio, a pessoa para lá do artista. Quando instado a falar sobre si, define-se como uma espécie de "quiet noise-maker", o que, no fundo, pode ser transposto para o resultado das suas músicas: com uma voz agridoce absolutamente única, que nos faz arrepiar a cada nota, parecendo querer colapsar suavemente, remete-nos para um ruído interior calmo, que transmite, simultaneamente, uma serenidade e uma alegria esfuziante, difícil de conter. O final obtido é de uma beleza simplesmente genial! Assente no seu último registo «Unlearned», onde Matthew dá toda uma nova vida a algumas das canções mais marcantes do seu percurso pessoal e musical, o concerto teve início com uma versão do clássico "To Love Somebody" dos Bee Gees, que teve tanto de inesperada como de deslumbrante. O conceito de versão tem no exemplo de Scott Matthew a definição perfeita: homenagear o tema original, recriando-o com uma alma e identidade próprias, de forma muito honesta. E é isso mesmo que "Total Control", uma canção dos algo obscuros The Motels, demonstra cabalmente. Em "Harvest Moon", do canadiano Neil Young, Matthew "ultrapassa" o original, já de si difícil de conseguir. Numa noite em que os artistas em palco (Scott Matthew e Valter Lobo) cantaram assumidamente "canções tristes" (algumas sobre estar feliz), "Smile", um original de Charlie Chaplin, é por demais desarmante, atingindo o âmago dos presentes de forma delicada e apaixonadamente desarmada. Em "I Wanna Dance With Somebody", canção emblemática na carreira de Whitney Houston, o público canta em uníssono o refrão e faz do artista em palco o homem mais feliz do mundo naquele momento. Pelo meio temos também temas em nome próprio, como "In The End", "Jesse" e "Little Bird" (recuperada do disco homónimo de estreia, editado em 2008), onde o tom melancólico e suave da voz do australiano é entrecortada por picos absolutamente assombrosos. Com mais uma história de vida a servir de mote a uma das mais inauditas versões alguma vez escutadas, Matthew partilha as aventuras sobre a sua adolescência/juventude (quando integrou algumas bandas "punk" australianas) e dá a volta por completo ao clássico dos Sex Pistols "Anarchy In U.K.". Antes ainda, a melancolia doce em "This Guy Is In Love" (imagem perfeita do artista durante toda a actuação), tema da dupla Hal David / Burt Bacharach. Aqui, lembramo-nos de outro grande senhor, com um dom vocal igualmente único, Mike Patton (dos Faitn No More), que também já homenageou esta dupla através deste tema. Já perto do final e antes do mais que merecido regresso ao palco, "Abandoned" revela uns agudos vocais "impossíveis" e "Annie's Song" (tema de John Denver) é apresentada como uma das "melhores canções menos consideradas pela crítica". Ovação geral em pé a pedir um regresso obrigatório, para ouvir ainda "White Horse", tema incluído no disco de 2009 com um dos títulos mais extensos que alguém se lembraria: «There Is An Ocean That Divides And With My Longing I Can Charge It With A Voltage That's So Violent To Cross It Could Mean Death». Para terminar, Valter Lobo e o seu guitarrista juntam-se aos músicos de Scott Matthew para, todos em conjunto, cantarem "Friend And Foes", tema do citado álbum de 2009. Ficou a faltar a cereja no topo do bolo, a versão da canção mais bonita jamais escrita, "Love Will Tear Us Apart" (dos Joy Division), tema que encerrou o alinhamento do concerto no dia anterior em Lisboa. Segundo o próprio referiu no final, enquanto partilhava autógrafos, fotografias e bebia vinho agradavelmente surpreendido por mais esta recepção portuguesa, faltaram "mais algumas palmas" para que tal tivesse acontecido. O esforço vocal que Matthew empreende nesta versão foi também, confidenciado pelo guitarrista Juergen Stark, uma das razões para não a terem tocado. Ficamos todos com pena. A abrir, na primeira parte de uma noite que se adivinhava marcante, Valter Lobo apresentou as canções "bonitas e tristes" do seu registo de estreia, o EP "Inverno", com particular destaque para o single "Eu Não Tenho Quem Me Abrace Neste Inverno" e "Pensei Que Fosse Fácil", onde o cantautor nacional demonstra o ambiente íntimo das suas canções, acompanhado pelo guitarrista Jorge Moura que confere uma magnitude planante, envolta numa moldura melancólica adequada. No início desta espécie de crítica faltavam(-me) palavras. No final sobram(-me) os sentimentos. Directamente para a galeria de concertos memoráveis deste ano!

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